O BURACO
O suor fazia trilhas por entre suas banhas.
Havia um bom tempo que o vento havia desistido de passar por aquela avenida. Já o sol, não. O sol estava ali, firme, forte, marretando sua cabeça assim como ele marretava o asfalto.
Cada vez que batia no chão, sentia seu corpo todo tremer, vibrar penetrando o betume virgem. A marreta tal como um objeto fálico socava com força o asfalto e ele gozava com aquilo.
Tirou o capacete por um minuto e observou o engarrafamento. Sorriu com orgulho e lembro do diálogo com a patroa pela manhã.
- Hoje vou parar uma avenida! – Contou orgulhoso para a mulher enquanto comia o pão frito na frigideira encharcada de margarina.
E parou mesmo.
Podia ver no rosto o desespero dos executivos dentro de seus carros de luxo. Não contavam com aquela obra ali, aquele mundo de carros, aquele engarrafamento, os minutos de atraso.
Via com satisfação o rosto trincado dos motoristas de ônibus, que como cágados carregavam os estresses de todos que iam com ele nos coletivos lotados.
E os guardinhas? Estes eram uma diversão à parte para ele. Soprando os apitos, fazendo sinais, numa dança desesperada e involuntária. Notava que vez por outra eles sumiam. Era muita pressão. Muita mesmo. Mas não pra ele.
- Se o cara me pôs neste buraco, trago todo mundo junto comigo...
Passou a mão na testa e tirou quase litro de suor, que escorreu pelos seus braços empapando ainda mais o macacão. Adorava aquilo.
O tampão de ouvidos o deixava ainda mais distante, isolado, inalcançável. Um Deus a cuidar dos destinos de todos, decidir o quanto tempo aquele buraco iria reger a vida de toda aquela gente.
- Pra onde este povo todo vai? – Perguntou-se.
Aquilo o revigorou mais uma vez. Deixou seus músculos rijos, trouxe mais vontade, desejo, tesão. E a marreta voltou a subir e descer. Logo o buraco foi ficando fundo, fundo, fundo...
- Todo mundo cava... Todo mundo...
Era um dos momentos em que de grão virava assunto da multidão.
Da janela do ônibus gritaram:
- Procurando petróleo negão? –
- E pelo visto já achou... Tá todo sujo. – Todos riram. Ele não, nem ouviu.
Continuou cavando, cavando, cavando... Nem sentiu os segundos, minutos, horas passarem.
- Para que este povo todo vai? – Perguntou-se.
Era bom deixar para trás tudo e criar aquele casulo de terra e pó, onde só existia ele e nada mais. Sem mulher, filhos, patrão, trabalho, ponto, trânsito, buzinas, fumaça, só ele e as pancadas. Como batidas de seu coração acelerado.
- Mathias! Sobe homem, que história é essa?! – Gritou o mestre de obras na ponta do buraco, que já ia fundo. Passando dos dutos e da necessidade. Mas ele não parava.
- Qual a razão disso tudo? – murmurou entre os dentes e as batidas.
E na busca de alguma razão, ele continuou batendo, marretando, abrindo passagem. Cavando a própria queda. Como não fosse mais um buraco, mas um novo caminho...
- Mathias! – Não ouviu, já ia muito longe, muito fundo. Era somente eco e sombra.
Dizem que após cavar alguns dias e algumas noites ele realmente encontrou o que procurava.
Um significado para tudo aquilo. Mas o buraco era tão fundo, mas tão fundo que por mais que ele olhasse pra cima, não via mais uma luz no fim do túnel.
E o que parecia uma saída, virou cova.