SWING


Casa de swing, quarto do tatame coletivo, meia luz, um monte de gente nua, em pleno ato e gemendo.
Ele sentiu uma cutucada. E por estar onde estava, logo olhou na direção do que o cutucava. Era um dedo. Ufa!
E o dedo era do Oliveira da contabilidade que, num contraste com o local, estava completamente vestido. Camisa social, calça vincada, uma gravata listrada e um sorriso no rosto. 
- Eu sabia que era o senhor, seu Flávio. Eu sabia! – O Oliveira tinha no rosto uma expressão de quem descobrira a pólvora.
São poucas as opções numa situação desta. Flávio podia fingir que não era ele. Mas ali, pelado, em meio ao coito, era muita cara de pau se fazer passar por outra pessoa.
Fingiu naturalidade, como se fosse um encontro casual na rua e sorriu para o Oliveira.
- Tudo bem, Oliveira?
- Tudo certo, Seu Flávio!
Os dois ficaram se entreolhando por um tempo. Flávio tentou continuar concentrado no que fazia, mas com o Oliveira ali, encarando, se sentiu meio nu.
- Posso ajudar em alguma coisa, Oliveira? – Temperou as palavras com alguma impaciência.
- Oh! Não... Desculpe seu Flávio... Só estou esperando minha mulher... Só isso.
E Oliveira continuou sorrindo com cara de bom moço enquanto Flávio fazia o possível para não perder a concentração e rigidez. Afinal, não era todo dia que ele encontrava uma mulher como aquela no clube. Negra, poderosa, linda. Foi tesão a primeira vista. E Flávio sentia que estava quase lá, quase terminando, quase... Quase...
- Ah, que grosseria a minha. Nem apresentei vocês! – O Oliveira tocou no ombro da mulher com que Flávio, digamos, se relacionava. – Marluce, este é o Seu Flávio... Vice-presidente lá da empresa...
Marluce, olhou para trás, por cima dos ombros e sem perder o ritmo respondeu com um sorriso maroto:
- Prazer... – Disse ela quase miando.
- Ô! – Disse Flávio voltando a ganhar fôlego.
O suor pingava. 
- Bacana o lugar aqui não é? – Pois é. O Oliveira queria assunto.
- Hum, hum... – Disse ele ali, ainda nos trabalhos.
- É a nossa primeira vez, né Marluce?
- Hum, hum... – Respondeu ela, ainda nos trabalhos.
- O senhor veio sozinho ou a patroa está por aí?
- Sim, vim... com... a minha...
- Eu a conheci na festa de fim de ano, lembra? Dona... Dona...
- Marly! Hummmm...
- Isso! Tava aqui na ponta da língua!
Oliveira se calou por um segundo e Flávio achou que estava livre dele.
- Um primo meu é segurança... Arrumou pra gente vir! – Oliveira esticou o pescoço, olhando em volta, como se procurasse alguém. – Olha ele ali com sua esposa, Seu Flávio!
Ele olhou na direção de um bolo de umas três ou quatro pessoas. No meio pôde reconheceu sua esposa.
- É aquele fortinho ali... Aquele que puxou o cabelo dela! Dá-lhe Dona Marly!
De lá de onde estava Dona Marly se desvencilhou um pouco do musculoso que puxava seus cabelos e retribuiu com um tchauzinho agradecendo a saudação de Oliveira.
Flavio viu quando Oliveira gargalhou e na empolgação deu um tapinha em sua bunda nua.
Um tapa seco, rápido, descompromissado, cúmplice.
Naquele exato momento algo aconteceu.
Uma vibração, um êxtase, um orgasmo como nunca havia vislumbrado antes. Soltou um uivo e um grito. Algo preso em seu peito queria sair, voar, voar e voar.
Ele olhou para trás e Oliveira estava lá, impávido, sorridente, com aquela cara de “estou sempre a seu dispor”. Ele nem notou quando Marluce o beijou nos lábios, já de roupa trocada e puxou Oliveira pela mão para a porta de saída. 
- Desculpa a presssa, Seu Flávio... É que a gente mora longe!
Os dois saíram deixando um Flávio sem direção, ali no meio daquele povo gemendo.
Na segunda, a primeira coisa que ele fez ao chegar no escritório foi demitir Oliveira.
Aquele cara o deixava confuso demais.
Leia Mais

Mentirinha



- Tem mulher que não é bonita, mas finge direitinho...
Guto disse enquanto bebericava o chope. Ele tinha por hábito beber pequenos goles, fazendo assim que a bebida rendesse. Porém, antes da metade, pedia para trocar pois o chope já estava quente.
Afonso, não. 
Tomava longo goles, rápidos e mal saboreava a breja, pois já pensava no próxima.
Os dois ali, largados num bar no centro do Rio, observavam como dois leões velhos numa savana o ir e vir das moças saindo do trabalho. Um não entendia como o outro podia ter a profissão que tinha, mas mesmo assim, eram amigos fazia tempo e isso não cabia tinha pesava mais no assunto.
Tijucanos convictos, orgulhosos e cada um dono de suas verdades absolutas.
Vez por outra uma bunda merecia um comentário. Mas desta vez Guto havia sido profundo demais.
- Repete... – Disse Afonso fingindo desinteresse.
Guto deu seu gole de pardal e vaticinou agora num outro tom.
- Tem mulher que não é bonita... Mas finge direitinho!
- Desenvolve. – Desafiou Afonso.
- Olha só aquela morena. Na boa? É feia.
- Bonita, não é...
- Pois é. Feinha, sem graça... Mas olha o vestidinho, o cabelo soltinho, aqueles peitinhos pêra flutuantes... O jeito de quem saiu do banho as... – Olha para o relógio do celular - ... 17:38 da tarde. Eu namoro.
Afonso abriu aquele sorriso irresistível que só ele tem.
- Ligo pra sua mulher e aviso que tá tudo acabado?
- Tô falando sério. Pode ligar. Namoro, passeio no shopping, faço planos... Olha ela...
Os dois olhavam. Muito.
- Vai pegar um busão pra Campo Grande...
- Longe, né? Suspende a ligação.
Os dois riram. E continuaram olhando o vai e vem. Afonso olhou para o relógio um par de veze e Guto reparou. Um bebericando enquanto o outro dando longos goles.
- Aquela ali é uma mentirinha.
- Mentirinha? Evolua... Evolua.... – Agora era Guto que se mostrava curioso.
- Ali, tronco comprido, perna curta. Mentira tem perna curta.
- Não é anã por sorte...
- Rapaz, já peguei umas mentiras por ai... Anã, nunca.
Afonso ensaiou um olhar perdido de frustração mas acabou voltando a olhar para o relógio.
- Tá perto da hora de dar o rabo? – Guto enciumado.
- Ô cara. Que grosseria. Sorte sua que você que tá pagando ou eu ia sentar em outra mesa...
- Caralho, olha aquilo.
Vinha ela, negra, poderosa, acima do bem e do mal, e longe deles, pobres mortais. Falava ao celular a caminhava como se cavalgasse o próprio corpo. Saída da ginástica, calça legging e o resto não importava. Poderosa.
- Gutinho, me diz que morri... Olha a orgulhosa. – Afonso arfava.
- Pra que tanto orgulho se o destino de todos é a morte? – Guto buscava o ar.
- Não parece uma pasta de dentes novinha? Toda apertadinha... Olha a calça. Pra que essa violência?
Eles nem falavam para ela ouvir. Também ela não ouviria. Já tinha ouvido de tudo.
Afonso fechou os olhos apertados. Guto sorriu divertido.
- Que porra é essa?
- Pra não perder a imagem... Pronto – Abriu sorridente – Agora como minha mulher fácil por mais umas duas semanas. Repertório não vai faltar.
Afonso ergueu sua tulipa em direção a musa e gritou.
- Muito obrigado! Muito obrigado!
Mal pousou o copo olhou o relógio mais uma vez. Guto parou a risada no meio incomodado com aquela obssessão do amigo.
- Para com esta porra, Afonso!
- É o Adão que não chega com meus 300 reais...
- Falei para não emprestar.
- Mas ele me falou que era só uma semana... Pô Guto, pra escola das crianças!
- Isso é o que ele disse... O Adão tem sempre uma história, você sabe.
- Mas é amigo...
- E o maior Forrest Gump, bobeou, lá vem história. Porque perdi no taxi, porque perdi na bolsa, porque tive que vender um rim...
- Mas o cara tá fodido.
- Agora quem tá é você.
- Estaria mais se estivesse pagando o chope... Ô amigão, traz mais um!
- E troca o meu, que esta porra tá quente.
Guto sempre foi mais prático. Afonso explosivo e apaixonado.
Voltaram a savanar. Mais alguns chopes chegaram e foram. Copos furados reclamavam ao garçom.
Uma gordinha vem passando dentro de uma ousada minisaia.
- Olha aquilo ali meu Gutinho. Olha a gordelícia!
- Caraca, é muita bunda pra uma pessoa só.
Guto se pôs de pé.
- Sua egoísta! E-GO-ÍS-TAAA!
Afonso faz com que o amigo se sente entre gargalhadas. Ela nem ouviu.
- Bunda de cagar em tanque!
Até Guto se assustou com a baixaria que disse.
- Lindo! Isso é Drummond, não?
Os dois riam como garotos.
- Divide isso ai! Se fosse em Cuba, tava fodida!
- Se fosse lá em casa também! Liga pra minha mulher! Liga!
Mais risadas. Afonso olhou para o relógio.
- Vou te encher de porrada!
- O Adão! O Adão!
Foi quando tocou telefone. Afonso encarou o celular com desconfiança.
- Não morre tão cedo... Quer dizer, vai vir com historinha e vou matar este filho-da-puta!
- Atende logo esta porra!
- Alô... Adão? Cade você porr... Como? Quem? Calma, cara... Tá bom... Calma irmão...
Guto interrompeu seu golinho no meio.
- Caralho, de filho da puta pra irmão?
- Tá bom, Adão... O rapaz, que isso. Beijo, fica com Deus!
Afonso desligou e ficou olhando o celular por um instante. Guto não se conteve e perguntou sorrindo.
- E aí? Quem morreu?
Afonso olhou meio abobado para o amigo.
- A mãe dele...
Guto fechou o sorriso.
- Tu acabou de chamar a mulher de puta!
Afonso olhou meio ofendido para Guto.
- Obrigado pela lembrança.
- Desculpa... Mas foi o que me veio à cabeça.
Guto, como se para compensar, sinalizou ao garçom mais dois.
- Vamos beber a morta!
Guto tentava recuperar o clima. Mas não rolou.
- Morta não... Dona Adalgisa.
Afonso era mais amigo de Adão que Guto. Se conheceram antes, jogando bola no perto do ponto final do 422 no Grajaú. Adão dizia morar por lá, mas Afonso sabia que ele morava no Andaraí. Adão dizia que a conta de luz vinha como Grajaú, portanto... Mesmo que todas as outras viessem como Andaraí.
Ainda no científico, Adão engravidou a namorada, que virou esposa e o neném virou filho. Adão foi o primeiro a formar família e nem teve chances de faculdade. Também não fez muita força.
Guto já havia chegado nesta fase da vida de Afonso.
Os dois iam e vinham a pé da UERJ até a Conde de Bonfim onde eram vizinhos. 
Mas, muitas vezes em amizade, antiguidade é posto. Guto sabia disso.
- Fez muito Nescau pra mim... Levava a gente a praia lá na Ilha do Governador... Lá no Bananal.
- Que merda de praia, hein? – Guto não podia perder a piada.
- Ah, não sacaneia cara.
Guto resolveu guardar silencio. Pelo tom do amigo o sentimento era forte.
Ficaram ali bebendo em silêncio. Nem comentavam mais sobre o mulherio.
Afonso levantou de repente e começou a catar suas coisas. Guto surpreso.
- Vai aonde?
- Ao velório! Lá na ilha...
Guto se sentiu na obrigação de ir junto.
Um pequeno engarrafamento a bordo do Corsa de Guto e os atalhos que só os verdadeiros tijucanos conhecem chegaram em pouco tempo ao local.
Já no portão, encontraram um Adão inconsolável. Abraços, afagos e adentraram o velório.
A casa cheia, choro, flores e D. Adalgisa ali deitada sobre a mesa observada por todos. Afonso deu um beijo em seu rosto, falou algo em seu ouvido e depois se encostou num canto sem tirar os olhos da morta.
Guto se misturou aos familiares que assistiam ao Jornal Nacional em outra sala e por ali ficou matando tempo e comentando as noticias. Vez por outra checava Afonso no outro cômodo.
O começo da novela foi a senha para ele quebrar a vigilia de Afonso.
A fome se avizinhava, a mulher não ia acreditar naquela história de morte da mãe do amigo do amigo... Tava legal daquele clima de carpideira. Ele se aproximou calmamente e encontrou o amigo contrito, olhar fixo.
- Cara, Afonso, tua emoção me comove...
Afonso pareceu despertar de um transe.
- Tu sabe que o Adão adora inventar uma história... Tô aqui de olho... Vigiando o mínimo movimento. Se a velha se mexer, vou lá catar meus trezentos reais com ele rapidinho.
De repente Guto apertou as sobrancelhas e olhou para D. Adalgisa. Se colocou ao lado de Afonso em vigília. 
Os dois sabiam que do Adão podia-se esperar de tudo. 

#
Foto - Savana da Ouvidor, centro do Rio.
Ler Mais

Casa de Malucos



Esse branco todo sempre me deixa agoniado. 
Tudo bem que dizem ser necessário em ambientes hospitalares, mas isso aqui não é bem um hospital. É só uma casa de malucos. 
E eu me prometi não chamar assim.
Minha tia pediu tanto.
Mas o outro tá aqui, entregue a morte e eu tenho que vir e fingir que visito...
Minha tia pediu muito. 

Eu, particularmente, não gostaria de morrer assim.
Depositado, largado, encostado assim, num quarto, numa cama, sem ter ao menos memórias para lembrar das coisas boas que vivi. 

Das comidas que saboreei, das mulheres que forniquei, dos porres que tomei. 
No fundo mesmo não gostaria de morrer. Mas se for pra escolher seria dormindo. 
Tá bom, foda-se que é clichê, mas é como eu gostaria. Respeita. 
E tô aqui sentado pensando longe e  vi quando ela veio caminhando, lá do fundo do corredor, aquele olhar burocrático e mesmo naquelas roupas frias, do mesmo tom de tudo aqui, dava pra ver que era gostosa. 
Não como estas modelos de lingerie, magras que dão pena, mas mulher de verdade, daquelas que aguenta um cara ali sobre elas, sem pedir água. 
Puta sede, viu? E aqui, mesmo com a grana que se paga, não se oferece uma água, um café.
Porra nenhuma. Muquifo dos infernos.  
Com certeza, lá onde mora o capeta é assim. Tudo branco, paz pra caralho e sem água, nem café. 
No fundo mesmo pelo preço deveriam oferecer um café da manhã completo com direito a um boquete no final. 
E ela veio chegando, sabia que eu a observava e fingia que não se dava conta. 
Chegou bem perto e pude sentir seu cheiro. Aquela coisa de perfume doce, barato, que quando você entra no ônibus cheio é um inferno. 
Casa de malucos. Eu prometi... 
Ela disse que eu poderia entrar, pra tomar cuidado que hoje ele está um pouco mais agitado, que parece ter tido uma pequena recuperação. Bela bosta. 
Viver numa cadeira de roda, 40% de visão num olho, o outro tomado pela catarata, sem movimentos da cintura pra baixo, cheio de sonda e sem poder mastigar porra nenhuma... 
Como assim recuperação? Estava piscando sozinho? 
Ri por dentro da minha piada e me senti culpado de não sentir culpa nenhuma. 
Falando francamente? Se eu passar por isso me dá um tiro na cabeça. 
Eu falei que queria morrer dormindo , mas por favor, se for pra ficar assim me acerta a têmpora. Bang e pronto. Quando abrir o olho tô lá falando com São Pedro, tudo branquinho... Se bem que. Se for como aqui, essa coisa sem vida, prefiro o tal do inferno. 
Enquanto caminho olho para a bunda a minha frente, sobre a calça branca da pra ver a pequena calcinha. Branca. Se fosse séria mesmo, não usava uma calcinha dessa. 
Ela sabe que os machos olham, ela colocou pra provocar, vadia. Todas. 
Chegamos a porta e ela repete as recomendações. Não pode isso, não pode aquilo, não pode, não pode, não fode! Puta que pariu piranha, não sou burro não. 
Sorrio de forma franca e entro. 
Me aproximo da cama e os olhos azuis dele me encaram. Encaram porra nenhuma que ali não se vê nada. Mas ele tenta. 
Da boca escorre uma baba densa, que desce pelo pijama e faz uma poça no travesseiro. 
Ele tenta sorrir ou sei lá que porra é essa que ele tenta fazer com a boca. 
- Marcílio? 
Ele sempre gostou mais do meu irmão. Era o mais calmo. Quando minha mãe deixou a gente com ele, ficou claro a preferencia. Eu era o cão chupando manga e meu irmão bom moço. 
Ai, depois me perguntam como pude não ir ao enterro do meu próprio irmão. Eu acho que ele não deu reparo. Com certeza vou pro inferno. 
No fundo prefiro, não sei se disse. 
- Não, sou eu... Mauro. Lembra de mim, tio?
Ele não responde. Filho da puta. Apenas olha para o lado na direção da janela. 
É como se eu não estivesse mais lá. Filho da puta. 
Quando eu era mais novo era a Televisão. Agora essa porra de janela. 
Dali só uma árvore, um sol filho da puta e um vasinho com flores de plástico.
E é para lá que ele prefere olhar. 
Não dá pra me arrepender do que vou fazer. Vim aqui pra isso. 
Levei quase uma semana decidindo. 
Mentira. 
Decidi rápido, só levei uma semana pra vir aqui. Não teve muito tempo de reflexão não. 
Melhor isso que ficar aqui nessa casa de malucos. Foda-se tia.  
Pego o travesseiro e ali mesmo tampo seu rosto. Sei que vou ter ainda uns 30 minutos com ele. Tenho tempo de sobra e aqui ninguém entra. 
A merda é essa. Como ele não se move, não sei se já terminei ou não. 
Não é justo você se emputecer comigo não. Tô matando alguém que já tá praticamente morto. Então, e daí? 
E não é que o merda do meu Tio se move? Nada que não posso controlar, mas caralho, se é pra morrer, morre na moral. 
Sinto que ele se debate com a força de uma menina de 5 anos. Que merda isso. 
Se algum dia alguém me matar que seja com um tiro. Na cabeça. BANG! Pronto. 
Ele para. Retiro o travesseiro e a expressão dele guarda um horror que eu nunca vi na vida. 
Ajeito a cabeça dele outra vez. Pronto. Parece como sempre. Ai, quando eu sair, digo pra ela que li o livro de sempre, contei as histórias de sempre e que ele adormeceu como sempre. 
Esta meia hora toda semana estava me tirando do sério. 
Matar alguém não é algo que valha de fato registro. No fundo nem senti assim. To te falando. 
E com a grana que vou receber, na boa? Você faria o mesmo. 
Olho para o meu tio, olhos abertos. Fico na direção entre o olhar dele e a janela.
Pronto, agora ele me vê. 
Sento na cadeira e aguardo os 30 minutos passarem fazendo planos. Viajar, comer mulheres, comer bem pra caralho, beber...  É preciso ter boas memórias pra poder lembrar. 
É o que eu sempre digo. 
Não quero morrer assim, como meu tio não. Jeito escroto de morrer. 
Antes de sair fecho os olhos de meu tio, enxugo seus lábios e ajeito seu travesseiro. Parace confortável.
Não quero morrer assim não... 

Quero viver bem a vida enquanto essa porra desse tumor não toma conta de tudo na minha cabeça.  
Casa de malucos.... Tomar no cu. 

Ler Mais

Dela


Tem a dor
que arde
quando olho
pra ela

Tem o vazio
que dói
quando olho
pra ela

Tem o longe
que nada
quando olho
pra ela

Tem o medo
que bate
quando olho
pra ela

Mas todo
dia
eu olho
pra ela
Ler Mais

O Homem Que Não Queria Ir a Copa do Mundo


Entrevista coletiva, aquele clima, microfones, burburinho e o técnico entra em cena. Senhor supremo do destino de milhões de brasileiros, traz a esperada lista em mãos.
Flashes disparam numa tagarelice de luz, metralhando de todos os lados.
Ele já entra olhando para baixo com aquele mau-humor de quem de fato será esquecido com o tempo, é coadjuvante, menos que o craque e, sinceramente, está mais ali para atrapalhar do que ajudar. Praticamente para torcer de um ponto privilegiado.
Sabe que aqueles 23 que convocou não vão agradar a todos. Nem em casa agradou.
- Você vai levar este sujeito em vez daquele outro? Tu não entende nada de futebol mesmo hein? Se não trouxer esta a Copa, nem precisa voltar pra casa! – Foi assim que sua mulher, mulher de 27 anos de casamento, o acordou pela manhã.
Equilibra em suas costas este peso, que só sua vaidade deixa mais leve. Senta a frente dos microfones e vai dizendo a lista em tom monocórdio, como se fosse um último pedido de um condenado.
Tudo dentro do previsto, alguns repórteres repetem os nomes como numa missa, um pequeno frenesi, o grupo já fechado há tempos, nenhuma novidade, afinal, apenas uma mê para Copa até que chega o último nome...
- E o Pompeu.
Silêncio de corrida de pênalti no local. Ele levanta, sorri e se retira.
O que começou com um cochicho vira um burburinho e em pouco tempo uma algazarra. Os jornalistas falam ao mesmo tempo, uma babel de Smartfones cuspindo a novidade.
Afinal: quem era Pompeu?
Todos os sites, colunistas, especialistas e Marias Chuteiras se perguntavam o mesmo.
Quando o telão mostrou a foto de Pompeu, em seus 50 anos, cabelos começando o grisalho, ele em casa foi acordado pelo telefonema.
- Pai, o que o senhor esta fazendo na seleção? – Dizia o filho mais velho gritando do outro lado do aparelho. – Liga a TV!
Pompeu acordou e meio sonado, ligou o televisor... Não, a tela plana, quase zero, comprada em prestações até a outra Copa. Ele sempre se atrapalhava com aqueles controles. E o óculos, que ainda estava se acostumando a usar...
A mulher entrou na sala vinda da casa da vizinha. Coração na boca.
- Pompeu de Deus, que negócio é esse? - Ela sabia que ele escondia algo. Ninguém era tão pacato assim. Mas ela esperava uma mulher, um outro filho, essas coisas normais de uma vida a dois.
- Ah, só pode ser pegadinha. Coisa do Tavares. – Vaticinou Pompeu.
Não, não era. Tavares também foi pego de surpresa, lá no Méier. E ficou puto de nunca ter pensado em tal sacanagem.
Logo a imprensa especializada cercava a casa de Pompeu. Um dois quartos quase quitado, coisa de mais uns dez anos e tudo se resolvia, tinha acabado de virar ponto de agito do bairro.
O telefone não parava. Pompeu tentava explicar, justificar, apontar caminhos.
Mas simplesmente não sabia.
O técnico justificou a escolha como tática e ponto. Precisava do Pompeu.
- Mas já viu ele jogar?
- Muitas vezes. Eu e meus auxiliares... Ele joga no clube do desportivo toda quarta e sábado. Observamos, analisamos e vimos que ele é o cara.
Aquela peladinha era de lei. Mas tinha diminuído a frequência. O joelho cobrava descanso.
Pedido de entrevistas, coletivas e até um convite para um ensaio sensual. Não, aquilo não era sério.
Ele sonhou garoto em ir a Copa, adolescente até, foi destaque do juniores do Olaria mas o emprego no Banco do Brasil mostrou-se um grande investimento. A Copa não era coisa mais pra ele não.
Pompeu decidiu apenas ignorar tudo e todos e levar sua vida como se nada daquilo tivesse acontecido.
Ilusão que não durou a sua primeira ida a padaria.
Um link ao vivo entrou no principal jornal da maior emissora de TV, com direito a narração:
- Vai Pompeu, entra livre pela esquerda, passa por um, dribla a velhinha, chega sem marcação e pede três pãezinhos...
Um repórter surge na frente de Pompeu, luz e câmera.
- Pompeu, diz pra gente como é a emoção de comprar este pãozinho? O primeiro pãozinho depois da convocação!
Pompeu saiu correndo para casa, driblando fãs, jornalistas e até empresários ávidos por seu talento.
Em outro canal especializado o mediador do debate esportivo pedia a opinião do craque de outrora.
- Pompeu está em forma, não é mesmo?
- Comprar pão, receber troco e se lançar para casa é coisa de quem conhece. E viu o pique que ele deu fugindo dos repórteres? Aquilo é coisa de ponta esquerda, dos que vão a linha de fundo para cruzar... – Completou o ex-ídolo. Outro comentarista, sem a menor intimidade com a pelota mas grande teórico – existem muitos – começou uma crônica de improviso.
- Qual Epaminondas, grande half-center de 1953, Pompeu traçou uma trajetória mágica pelo estabelecimento, e este pão, besuntado da manteiga dos craques, mostra o tempero, a manemolência, e entrará para história como um momento mágico para os panteões do esporte bretão. – Teve gente no estúdio que chorou.
Pompeu entra em casa e bate a porta empurrando o povo que se aglomera para fora. A mulher da cozinha grita.
- O moço da Inter de Milão ligou de novo e dobrou a proposta. Deixou o número e disse que pode ligar a cobrar!
Pompeuzinho, o filho mais novo, entrou pela porta da frente, abraçado a ele, a nora assustada e arrastado pela mão, o neto chorando.
- Pelo amor de Deus pai, nossa vida virou um inferno! Tão maltratando seu neto na escola!
- Tão chamando o senhor de traidor da patriáááááá – o final da frase do menino emendou com o choro.
Aquilo tinha que cessar. Pompeu caminha até a porta e abre num gesto corajoso.
- Tá bom, tá bom, diz lá pra quem tem que dizer que eu vou pra tal de Copa do Mundo!
O povo vibrou. Pompeu saiu carregado pela multidão. Como todo craque deveria ser.
Uma semana depois já estava com o grupo.
Por ser mais velho, logo assumiu a liderança da equipe. Muitos buscavam nele um conselho, um toque, uma palavra amiga.
Pompeu com seu jeito paternal explicava as coisas da vida. Mandou um ajeitar o cabelo, aconselhou o outro assegurar a birita, pelo menos aquele mês, e convenceu o jovem talento a não trocar a Europa pela China.
- Vai sumir por lá...
Num piscar de olhos a Copa começou. Pompeu ganhou sua posição nos treinos. Dava mais toque ao time e formou com mais três boleiros o que foi chamado de losângulo fascinante.
Na primeira fase foram goleadas que entrariam pra história das Copas. Na segunda, um jogo duro contra a Holanda e nada mais. Passar pela Argentina foi fácil. Pompeu fez dois. Maradona reconheceu que talvez Pompeu fosse seu sucessor. Os dois acima de Pelé é claro.
Na final Pompeu era dúvida. Os joelhos, sempre eles, não ajudavam.
Não dava pra jogar os noventa minutos.
Jogo complicado, o narrador perguntava se Pompeu não havia amarelado.
Perdendo por um gol a seleção foi para o intervalo. O técnico se aproximou de Pompeu que num canto solitário acaricia o joelho como quem busca um carinho de volta. O técnico olho Pompeu no fundo dos olhos.
- Sabe porque o convoquei?
O técnico murmurou algo no ouvido de Pompeu que sorriu.
Na volta ao campo Pompeu estava lá. Logo no início lançou o centro-avante que fez o primeiro.
Com uma bela cobrança de falta Pompeu virou o jogo e aos quarenta e três minutos fechou o caixão com um belo sem pulo do meio da rua.
Foram semanas de festas. Pompeu sumiu da família por quase uma semana. A mulher nunca tocou no assunto.
Entrevistas, fotos, encontro com presidente, festas de jogadores e Marias Chuteiras até que Pompeu cansou.
Chegou em casa lá pras tantas da madrugada e a esposa avisou em meio ao sono.
- Tem bolo de carne na geladeira.
- Tô sem fome.
Pompeu sentou em frente a TV e ali ficou vendo resenhas e reprises durante dias.
O que o treinador falou para ele antes da decisão ninguém nunca soube.
Pompeu abriu uma de suas malas e de lá tirou a Taça. Ela mesmo. Pompeu pegou e ninguém notou que ele havia levado com ele. Depois devolvia, queria ficar só um tempinho a sós com ela.
Com o caneco na mão, uma cerveja na outra e um sorriso bobo no rosto, Pompeu, esperava resignado achando que poderia acordar a qualquer minuto.


#
Ler Mais

O Anjo


O anjo tem asas lindas
e chega me cobrindo pela manhã
Chega suado após voar tanto
Corpo são, mente sã

O anjo bate as asas e diz
que vai ali mas volta já

Todo mundo quer um naco do anjo
Ela voa solta pra lá e pra cá

Olho pro sol e vejo o anjo partir
ela acena com um sorriso lindo

da meia volta, ganha o horizonte
sua silhueta linda diminuindo


O anjo pede um tempo
um segundo pra pousar

dormir um pouco
olhando o mar


Não sei se amanhã tem anjo
mas deixo a porta aberta

e a vela dento do peito acesa
durmo levemente alerta



O anjo me 
deu asa

e fez de mim
a sua casa

O anjo me
deu café

e fez de mim
a minha fé




Ler Mais

Um filme saiu da cabeça pra telinha.

Ler Mais

Marcadores

3G (1) A Fábula do Pé Sujo (1) A Fábula do Pé Sujo. (1) A Lápide (1) A Tal da Portabilidade (1) A Unidos dos Dois na Sala (1) A Virada do Ano (1) aeromoça (1) aladin (1) Amor a primeira vista (2) amores impossíveis (1) ano novo (1) Arrumação (Em Cadeados) (1) As Cores Dela nas Paredes da Cabeça Dele (1) As Sereias da Estante (1) Assalto (1) assassinato (1) Até que a morte nos separe. (2) avião (1) Bacon (1) barrinha e cereal (1) Bonecas (2) Cabeça (1) cachorro (1) Cadê Deni”zs”e? (1) Caixa Preta (1) caos aéreo (1) carros (1) casa de malucos (1) cereser (1) Céu de Cereal (1) circo (1) Com Deus Só a Vista. (1) concurso (1) construir (1) conto (17) Conto de amor (1) Contos do Rio (4) Copa do Mundo (1) Copacabana (1) Coração Roubado (1) Cortazar (1) cronica (1) Crônica (1) Crônicas (1) desejo (1) Dia de Mãe (1) Dia dos Namorados (2) ditos (1) Do Frio e Branco Azulejo (1) Do Ponto de Vista da Inveja (2) Dos seus saltos (1) Encontros (1) engarrafamento (1) Engolir Palavras (1) espumante (1) Existe Vida após a Morte. (1) fantasia (1) farol (1) Fred (1) Fundo do Poço (1) gênio (1) Ginger (1) Hamburguer (1) humor (6) Idéias (1) Kama $utra (1) lâmpada (1) linchamento (1) luz no fim do túnel (1) Mãe (1) Mãe e Filha (1) manicômio (1) Maradona (1) Marias Chuteiras (1) Me acertou em cheiro (1) menage (1) Mentirinha (1) Mil e uma noites (1) Moleque de Rua (1) Musical (1) O Buraco (1) O Cão de olhos com brilho de diamantes (1) O Engolidor de Palavras (2) O Gênio Ombudsman (2) O Globo (1) O Homem que Não Queria Ir a Copa do Mundo (1) O Que Não é Mais Gente (1) O T da Questão (1) O Último Dia (1) obra (1) Obras (1) orelhão (1) Os cílios postiços dos postes da avenida (1) pão doce (1) Passatempo (1) Pensamento (1) pião (1) poema (7) poesia (6) Portabilidade (2) prosa (1) Quando Ela Perguntou a Ele se estava caindo (1) revertere ad locum tuum (1) rosquinha (1) Saindo do armário (2) Sobre a última Estação. poesia (1) soco (1) sonha-me (1) suruba (1) swing (1) Técnico de Futebol (1) tecnologia (1) Teu Esmalte (1) Teu jogo (1) Top Blog (1) Traição (1) troca de casal (1) trocando de mulher (1) Ursula Andrews (1) Vida (2) vida de cão (1) Vida de Operário (1) Vida. (1) Vingança na carne (1) violência (1)