Mãe e Filha
O cartório cheio.
A palavra “próximo” ecoava pelas paredes tingindo-as de espera.
Ela abriu a pequena pasta rosa e conferiu os documentos murmurando cada um de seus nomes. Repetia o mantra burocrático como quem reza uma novena, sofrendo, com fé que nada faltaria ali.
Ela já tinha ido e voltado alguma vezes. Quase dois meses nesta coisa. E sempre faltava algo. Não por esquecimento dela, nunca. Tinha certeza que os caras ali do cartório se revezavam no deboche.
É a falta que faz um homem a frente das coisas. Não tem jeito. O mundo é dos homens. E estas coisas é homem que resolve.
Os que ela teve na vida? Juntando todos, não daria um.
O telefone tocou, ela olhou o visor e desligou.
Quando mais nova eles faziam fila. Ligavam, mandavam flores, jantar, teve o que mandou jóias... Ela sabe o que queriam. E não dava.
Quando deu, bem mais tarde, engravidou, casou, teve a filha e separou.
Tudo isso durou quase dezessete anos. Mas pra ela eram apenas aquelas etapas. Nada a acrescentar. Ah, sim, o apartamento em Botafogo que virou um na Tijuca e outro em sabe-se lá onde aquele infeliz foi morar com aquelazinha mais nova no interior de Goiás. Desejou um câncer para eles.
A fila não andava e o telefone dela tocou outra vez. Ela tornou a desligar.
Por culpa dele nunca se formou, nem teve como estudar.
Ele a queria em casa. Sua mãe joga isso na sua cara até hoje. Mostra as amigas que são doutoras, professoras ou que tem comércio.
Elas deram sorte foi com o marido, isso sim.
Teve que voltar a morar com a mãe em Copacabana e alugou o apartamento da Tijuca. Não agüentava as despesas do condomínio. E com a morte do pai sobrava espaço naquele apartamento.
Ficou sabendo que o ex teve mais dois filhos, hoje formados, bem de vida. Outro dia sua filha mostrou as fotos deles na internet.
Havia achado o pai numa destas redes sociais. O pai mandava uma mesada murcha e dizia que não queria ver a filha pois lembrava muito a mãe.
A filha maldizia o pai. Mas vira e mexe o catava ali no computador.
Não gosta de internet.
Navegou um pouco, procurou um namorado mas tudo que encontrou foi um monte de tarado querendo mostrar seus pintos nas câmeras. Homem é tudo igual.
Ajeitou seus cabelos vermelhos olhando o espelho no cartório. Um pouco acima do peso, mas se achava linda. Mas era bonita pra ela.
Tinha mais de oito anos sem homem e nem sentia falta. Tinha paqueras sim, dois senhores às vezes a levavam ao cinema. Um não sabia do outro e ela se divertia com isso. Um uma vez quase desmaiou ao tocar seus seios.
Mais uma vez o telefone tocou e a trouxe de volta a fila. Encarou o visor como se não visse nada. A música vulgar do celular, aquele toque mais comum, repetia, repetia, repet...
- Alô mãe...
Ouviu por um minuto e mudou de expressão.
- Não, já decidimos... Eu sei mamãe... Não... Aquilo não nos serve de nada... Já falamos disso... To no cartório... Aqui o sinal falha.
Ouviu. Balançava a cabeça negativamente cada vez mais forte.
- A senhora me deu a procuração por isso. Já decidimos... Não, eu não decidi. Nós decidimos. Sei que era de papai... Mas nem vamos mais lá. Não chora mãe! Que merda! A senhora sempre faz isso... Depois a gente se fala!
Desligou. Prendeu a respiração e sentiu que o choro viria. Ele veio como pequenos soluços e lágrimas espaças. Ela se encolheu e ninguém na fila pareceu se importar.
Repetia baixinho pra ela mesmo.
- Putaquepariu... Putaquepariu... Putaquepariu...
A fila não andava. Começou a digitar em seu telefone. Ouviu. Nada. Repetiu. Ouviu. Nada. Mais uma vez... E outra... E outra...
Em outro ponto da cidade sua filha olhava o visor do celular e desligava todas às vezes que tocava.
A palavra “próximo” ecoava pelas paredes tingindo-as de espera.
Ela abriu a pequena pasta rosa e conferiu os documentos murmurando cada um de seus nomes. Repetia o mantra burocrático como quem reza uma novena, sofrendo, com fé que nada faltaria ali.
Ela já tinha ido e voltado alguma vezes. Quase dois meses nesta coisa. E sempre faltava algo. Não por esquecimento dela, nunca. Tinha certeza que os caras ali do cartório se revezavam no deboche.
É a falta que faz um homem a frente das coisas. Não tem jeito. O mundo é dos homens. E estas coisas é homem que resolve.
Os que ela teve na vida? Juntando todos, não daria um.
O telefone tocou, ela olhou o visor e desligou.
Quando mais nova eles faziam fila. Ligavam, mandavam flores, jantar, teve o que mandou jóias... Ela sabe o que queriam. E não dava.
Quando deu, bem mais tarde, engravidou, casou, teve a filha e separou.
Tudo isso durou quase dezessete anos. Mas pra ela eram apenas aquelas etapas. Nada a acrescentar. Ah, sim, o apartamento em Botafogo que virou um na Tijuca e outro em sabe-se lá onde aquele infeliz foi morar com aquelazinha mais nova no interior de Goiás. Desejou um câncer para eles.
A fila não andava e o telefone dela tocou outra vez. Ela tornou a desligar.
Por culpa dele nunca se formou, nem teve como estudar.
Ele a queria em casa. Sua mãe joga isso na sua cara até hoje. Mostra as amigas que são doutoras, professoras ou que tem comércio.
Elas deram sorte foi com o marido, isso sim.
Teve que voltar a morar com a mãe em Copacabana e alugou o apartamento da Tijuca. Não agüentava as despesas do condomínio. E com a morte do pai sobrava espaço naquele apartamento.
Ficou sabendo que o ex teve mais dois filhos, hoje formados, bem de vida. Outro dia sua filha mostrou as fotos deles na internet.
Havia achado o pai numa destas redes sociais. O pai mandava uma mesada murcha e dizia que não queria ver a filha pois lembrava muito a mãe.
A filha maldizia o pai. Mas vira e mexe o catava ali no computador.
Não gosta de internet.
Navegou um pouco, procurou um namorado mas tudo que encontrou foi um monte de tarado querendo mostrar seus pintos nas câmeras. Homem é tudo igual.
Ajeitou seus cabelos vermelhos olhando o espelho no cartório. Um pouco acima do peso, mas se achava linda. Mas era bonita pra ela.
Tinha mais de oito anos sem homem e nem sentia falta. Tinha paqueras sim, dois senhores às vezes a levavam ao cinema. Um não sabia do outro e ela se divertia com isso. Um uma vez quase desmaiou ao tocar seus seios.
Mais uma vez o telefone tocou e a trouxe de volta a fila. Encarou o visor como se não visse nada. A música vulgar do celular, aquele toque mais comum, repetia, repetia, repet...
- Alô mãe...
Ouviu por um minuto e mudou de expressão.
- Não, já decidimos... Eu sei mamãe... Não... Aquilo não nos serve de nada... Já falamos disso... To no cartório... Aqui o sinal falha.
Ouviu. Balançava a cabeça negativamente cada vez mais forte.
- A senhora me deu a procuração por isso. Já decidimos... Não, eu não decidi. Nós decidimos. Sei que era de papai... Mas nem vamos mais lá. Não chora mãe! Que merda! A senhora sempre faz isso... Depois a gente se fala!
Desligou. Prendeu a respiração e sentiu que o choro viria. Ele veio como pequenos soluços e lágrimas espaças. Ela se encolheu e ninguém na fila pareceu se importar.
Repetia baixinho pra ela mesmo.
- Putaquepariu... Putaquepariu... Putaquepariu...
A fila não andava. Começou a digitar em seu telefone. Ouviu. Nada. Repetiu. Ouviu. Nada. Mais uma vez... E outra... E outra...
Em outro ponto da cidade sua filha olhava o visor do celular e desligava todas às vezes que tocava.
2 comentários:
Parabéns camarada! Sempre gostei de ler suas crônicas... não para!
6 de novembro de 2012 às 14:15Parabéns camarada! Sempre bom ler suas crônicas.... não para!
6 de novembro de 2012 às 14:16Postar um comentário