O Engolidor de Palavras
A primeira vez que ele ouviu pensou que fosse apenas um pensamento perdido em sua cabeça. Daqueles que dão voltas e ficam batendo de um lado para outro, insistentes, girando dentro do coco. Mas a frase se repetiu algumas vezes e depois foi caindo, como se do topo de sua cabeça descesse, ali pela região da nuca, escorregando pela a garganta e chegassem apenas algumas sílabas ao estômago.
Ele estranhou. Logo ele tão prolixo e articulado, não era de engolir as coisas assim.
Tentou pensar em algo genial. E de novo repetiu-se a sensação.
Quem sabe algo mais simples e... Outra vez.
Era isso. Não conseguia mais externar o que pensava e tudo o que dizia virava um eco interno, indo goela a baixo direto para a pança.
“Como vou fazer pra comprar pão?” – Pensou.
E ouviu. “pra comprar pão...” “comprar pão...” “pão”... “ão”
Sentiu-se engolir as palavras, que desceram pescoço adentro com um sabor e cheiro de padaria às 6 da manhã. O lado bom foi que sentiu-se estranhamente alimentado.
E os textos seguiram-se, parágrafos inteiros. Pensamentos perfeitos, que agora eram ensimesmados, degludidos com o apetite dos que trocam suas vidas pela vida dos outros nas bibliotecas.
A barriga ficava assim, estufada, como um garoto subnutrido, o umbigo estufado e se sentia empanzinado de verbetes. E acabava arrotando sílabas, fonemas, nada completo saía boca a fora. E após muito insistir, viu que não tinha mais coragem, nem disposição.
Acabou passando os dias a abocanhar palavras. Nem mastigava. Algumas delas eram comuns, vulgares, usuais, desciam como pudim. Outras, antes de engolir, tinha que consultar um dicionário para ver senão fariam mal.
Mas tinham certas coisas que ele engolia que ficavam ali, dias, sempre difíceis de digerir. Suava frio na hora de colocar para fora. Já passou por isso?
Foi quando ouviu o carro de som anunciando o Circo.
Ah! Podia entrar para o circo. Fariam filas para ver a nova atração, seria famoso, engoliria palavras e seu próprio eco em cadeia nacional.
Podia inclusive ampliar seu número, engolindo em várias línguas. Seus olhos brilharam com a possibilidade. Só não gritou de felicidade porque mal pensou, e a alegria toda já estava chegando ao estômago.
Procurou o Dono do Circo que ficou impressionado com sua habilidade.
Um número assim seria atração principal. Muito melhor que a mulher com poder de síntese!
O dinheiro que ele ofereceu era um desaforo. Mas, como de costume, apressou a engolir o que pensava sobre aquilo e como sempre, assim como quase todo mundo, aceitou de bom grado.
E cartazes foram espalhados pela capital. Foi anunciado em toda parte...
A arena estava cheia.
Naquela noite, estranhamente, a audiência não torceu para os leões devorarem o domador, nem tão pouco para o erro do malabarista.
A promessa das palavras que não saem, sempre trazem uma certa tensão no ar.
- E com vocês o espetacular, magnânimo, sublime... Engolidor de Palavras! - Disse o mestre de cerimônias balançando sua cartola freneticamente.
Foi quando ele anúncio surgiu no palco. Roupa brilhosa, um ar confiante. Refletia.
A audiência em polvorosa aplaudia de pé.
E ele, emocionado com o reconhecimento tardio a seu talento ficou completamente sem... palavras.
Até que tentou pensar em algo, algo realmente inovador e diferente. Nada. Nem uma letra. Um vazio da cabeça aos pés. Seu coração parecia que ia saltar pela boca, como num desenho animado e sair dançando de cartola e bengala nas mãos.
Mas não era isso que haviam pago pra ver.
Na verdade a maioria eram intelectuais, cientistas, pensadores. Uma platéia que sempre adora um espetáculo em que não tenha que mexer nos bolsos.
A vaia começou mansa e foi ganhando o mundo. A turba enfurecida queria pão, circo, e para dar um tempero, sangue! Choveram tomates, pedras e o que mais doía, as verdades cortantes atiradas de todos os lados. Ele engolia as ofensas uma a uma e logo viu que se não saísse dali explodiria. Ou pior: começaria a gostar daquilo, talvez até virasse atendente de telemarketing.
Todos avançaram sobre ele. Assim é a fama. Todos querem um pedacinho de você, nada demais. Um naco, uma fatia, uma lasca. Algo para levar pra casa e deixar sobre o criado mudo.
Fugiu. A fama ali, e ele fugiu. Veja só.
Corria, como aquelas fugas em cinema mudo. E passou horas, dias, meses, correndo. E, até mesmo para ficar mais leve, resolveu não pensar em mais nada.
Levou sua vida assim, de forma simples, correndo das coisas.
E com aquele medo. De morrer sufocado em suas próprias palavras.
#
46 comentários:
este cara deveria aparecer por aqui e engolir as mentiras ditas ao nosso povo em epoca eleitoral!
12 de agosto de 2009 às 13:15rsrsrs
Mais uma vez você se supera Marton...
Parabéns!
Super show...
12 de agosto de 2009 às 13:17Bem bolado e satirizado...
Aquela do Atendente de Telemarketing é bem engraçada até...
Demais mesmo...
abs
www.solidocomoar.blogspot.com
dica de hoje: Banda Mixtape
kct ducaralho! Lembra Edgar Alan Poe =D
12 de agosto de 2009 às 13:26Parabéns!
muito, muito, muito bom!!
12 de agosto de 2009 às 13:45Ótimo texto!
12 de agosto de 2009 às 14:03Parabéns!
Mediskina-Aqui a gente brinca mas ensina Medicina!
Show de bola! Realmente foi bem planejado, e satirizado como disse o Simply.
12 de agosto de 2009 às 14:06Gostei mesmo, muito bom!
Abraços.
http://mundobizarro10.blogspot.com/
Olá vim conhecer seu blog adorei voltarei mais vezes parabéns!!!
12 de agosto de 2009 às 14:13^^
Bjokas
valeu pela dica!! muito bom o blog!!!
12 de agosto de 2009 às 14:18abraço
Huehueheueu
12 de agosto de 2009 às 14:34Nussa; muito bom.
O de baixo "swing" também.
ótimo blog.
muito bom o texto :~
12 de agosto de 2009 às 15:17achei interresante :D
bem criativo
Uau;
12 de agosto de 2009 às 15:41adorei...
voltarei sempre! MUITO INTELIGENTE
Adoro textos assim, que exploram bem cada um dos significados das palavras.
12 de agosto de 2009 às 16:08Cara...
12 de agosto de 2009 às 16:14Lembro de ter lido algo tão bom assim quando lia Luis Fernando Verssimo com suas Crônicas do Ed Morte e outros...
MUITO BOM, cara.
Quero mais.
pra quem, gosta de ler e otimo!! gostei do post de swing..
12 de agosto de 2009 às 18:25muito bom
12 de agosto de 2009 às 18:34parabens
bellissimo texto
12 de agosto de 2009 às 18:36prbns seu blog.
Cara, daria um otimo e lindo curta metragem... Eu fui lendo o teu texto e vendo cenas, imagens... Ficou mto interessante cara... parabens... Adorei essa metafora de engolidor de palavras...
12 de agosto de 2009 às 18:38Um grande abraço!
adorei... seus textos são todos bons
12 de agosto de 2009 às 18:52xD
eu ri dakela do atendente de telemarketing
xD
hahahaa etaa ótimo titulo hahaha...
12 de agosto de 2009 às 21:44aorei o blog...
agora vou indo
abraços
ótima quarta/quimta
primeira vez aki
volterai mais vezes
e se permitir te sigo
o/
e convido claro a voce passar no
www.bocadekabide.blogspot.com
será bm vind dmais lá...
hhihihiihi
Muito legal. Gostei.sabemos muito bem o que representam as promessas de palavras que acabam não saindo. Afinal, elas estão por aí, gritando e exibidas querendo responder ao mundo. O texto é bem pensado e nos aparece visualmente com muito movimento. Valeu.Você é realmente um "contador de histórias' PARABÉNS.
13 de agosto de 2009 às 07:54Tu escrevem benm, Marton. Gosto das figuras de linguagem que tu usas. Tem futuro...
14 de agosto de 2009 às 09:39Nossaaaaaaaaa, muitoooo bom mesmo
14 de agosto de 2009 às 09:49Adorei de verdade, Gostei do blog todo! Está de parabéns!
Excelente!
14 de agosto de 2009 às 10:30Vim te visitar aqui e como aprendo.
14 de agosto de 2009 às 13:02Texto dez Marton. Saudade dos debates.
q bom q gostou como jah comentei aproveito pra fazer um peidido ops pedido q peido o q...
15 de agosto de 2009 às 03:00pra q vc dê a sua colaboração lá no primeiro post do blog...é um pedido muito especial e conto com sua ajuda.
ótimo fds.
nos falamos em breve....
e feliz dia do voto secreto...
abraço
www.bocadekabide.blogspot.com
primeiramente parabens maisuma vez ... amo o modo como vc solta as palavras ...rsrs
15 de agosto de 2009 às 14:21falando nisso tenho engolido as minhas ultimamente , mas ando descobrindo que dá uma azia danada! rsrs
adoro passar por aqui ....bj
Muiuto boa as historias, andei lendo as outras tb e gostei muito
16 de agosto de 2009 às 12:26!
parabéns!
Bem interessante, e muito convidativo.
16 de agosto de 2009 às 12:33SRN
A vida simples pode nos trazer muitos mais benefícios do que a fama e mentira.
16 de agosto de 2009 às 13:00Mas creio que isso fica apenas em ficção, sabemos como na realidade as coisas são bem diferentes.
Abraço.
muito bom seu texto e o blog
16 de agosto de 2009 às 13:05é, fez parte do nosso mundo.
16 de agosto de 2009 às 13:47belo texto
http://www.maquinazero.com.br
uma ótima sátira ^^
16 de agosto de 2009 às 14:00www.hysteria-project.blogspot.com
caralho, Muito bom teu blog, escreveste bem pra caramba!
16 de agosto de 2009 às 14:08Adorei a nmaneira em que escreve!!!
16 de agosto de 2009 às 14:41Parabéns!
16 de agosto de 2009 às 17:03mas que situação essa não?
chega até a ser cômico.
Cara muito boa a história, até lembra aquele filmes em branco e preto que hoje em dia são esquecidos ;/
16 de agosto de 2009 às 17:22Gostei bastante, parabéns =]
Abraços !
Otimo blog *-*
16 de agosto de 2009 às 17:24adorei mesmo, continue assim e com muito sucesso.
Que Deus te abençoe sempre, se puder passa no meu blog!
aguardo hein?
minha nossa!
16 de agosto de 2009 às 19:47não é só o titulo criativo, gostei também de todo o resto.
ainda bem que ainda existem blogs bons pela rede, parabéns :D
Cabôco frouxo.
16 de agosto de 2009 às 20:06Marton... Cazuza sim! Não é que eu não leia outras coisas, como por exemplo, esses escritores que você citou. Mas o cazuza escreve tudo que eu me identifico, escreve o que eu gostaria de dizer e não sei como, escreve muito bem, na minha concepção, ele é genial *--* //
16 de agosto de 2009 às 20:24Marlon, parabéns pelo texto! Acompanharei seu blog e suas obras! Abraços.
16 de agosto de 2009 às 20:25kra, vou te dizer que não li o texto inteiro, pq é bem grande... rs
16 de agosto de 2009 às 20:39mas até a parte que li, achei interessante
parabens
Adoreii o blog parabens!
16 de agosto de 2009 às 20:53acesse o meu: http://downloadnuevo.blogspot.com/
Bacana o espaço, pena que vc não tem moleskine nem bebe. Tamo junto então ;)
18 de agosto de 2009 às 10:58"De morrer sufocado em suas próprias palavras." No início eu pensei que a intenção do texto era pra'quelas pessoas que se fecham no seu mundo, vêem as coisas acontecerem, ser ofendidos verbalmente e não fazerem nada, se oprimirem. Mas só no final eu vi que era a ouras tantas famosas!
18 de agosto de 2009 às 23:38Parabéns!
Leia também: jovemgengibre.blogspot.com
29 de agosto de 2009 às 17:59Postar um comentário