sábado, 20 de agosto de 2011

O Que Não é Mais Gente


Sentiu o soco como se fosse uma benção.
Naquele exato momento começava a desexistir.
Desexistir. Desistindo foi...
Salpicou a calçada com um vermelho vivo e orgânico. A criançada riu divertida.
Fez com a lingua a conferencia dos dentes. Faltavam alguns. Tinha gasto uma grana no ortodontista para aquilo. Puta falta de considera...
A pancada pegou em cheio no raciocinio. Onde no corpo nem sabia mais. Foi tanto chute, soco, tapa, cuspe que nem se dava conta mais. Tanto fazia.
Nem dor sentia.
Estava ali a quantos dias? Não. Tinha uns dois minutos... Ou duas horas?
Olhou para o relógio e sentiu que seus olhos não focavam mais. Tudo embaçado de vermelho. Sabia que num deles nem mais olho havia. Só uma órbita negra e desforme.
Outro chute, mais outro, tudo começou a escurecer... Não, não. Cair no limbo agora não! Estava em meio a um raciocínio interessante. Adorava quando desenvolvia teses sobre ele mesmo. Ah, sim, seus olhos.
Verdes, grandes, lindos. Mudavam de cor por vezes e ganhavam um azul turqueza enebriante no inverno. Comeu muita gente por conta disso.
Agora eram um buraco e meio vazios de luz. Ali girava um eco de imagens.
Passou seus dedos tortos sobre a cara macilenta e não podia mais dizer o que era olho, nariz, boca... Não consguia nem soprar. Fez um bico e tentou um assobio.
Ouviu risos.
De repente ficou muito do puto dentro das calças. Que porra é essa? Do que debochavam? Deus socos e chutes na direção do escarnio. Ou pensou em dar e só chorou. Vontade não faltou. As lágrimas raivosas ardiam sobre as feridas.
Mais risos.
E chutes, socos, tapas e nada... Não sentia mais nada.
A ultima dor que identificara veio de suas partes. Sentiu que ali gastaram um tempo. Pisando, esmagando, dilacerando suas coisas... Que já haviam lhe trazido tanta felicidade e orgulho. Um homem sem sexo não é mais.
Sabia que entre os paus que lhe acertavam, tinha também um cano. E quando cruzava o ar para acertá-lo soltava um uivado. Ou era um gemido dele mesmo. Uivado, gemido, uivado, gemido. Era os dois. Ou três, quatro, muitos... Uma puta covardia.
Mas agora nem dor sentia. Doia mais ele não saber mais porque estava ali.
Uma sede enorme ressecou sua garganta dolorida. Sentiu o laço como uma gravata. O ar? Ar.
Provou o gosto daquilo que escorria abundante pela sua cara.
Sentiu-se morrer na ponta da lingua.

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