Céu de Cereal


Antes da pelada sempre jogamos conversa fora.

Coisa normal de homens prestes a travar embate campal, fazer gols, delirar e ter seus momentos de glória.

Falávamos vagamente sobre viagens, vôos e afins. Eis que alguém levanta a dúvida:

- Não entendo esta coisa do Comandante avisar que saiu mais tarde, mas para compensar, vai aumentar a velocidade do avião para chegar no horário... Porque já não se vai nesta velocidade e apenas se chega mais rápido.

Após risadas de todos, alguém lúcido, e mais bem informado que a maioria, explicou que existe um certo cálculo entre aceleração x combustível que pode deixar a viagem mais cara ou mais barata de acordo com a velocidade e a distância percorrida.

Na mesma hora viajei.

Em tempos de caos aéreo, imaginemos que isso vire regra num futuro próximo.

Você está num vôo que já saiu bem atrasado e o comandante, entre todas aquelas informações pavorosas, tipo 10 graus abaixo de zero é a temperatura exterior, altitude de “muitos” mil pés, diz com aquela voz marrenta de quem está fazendo algo simples:

(Comandante)

- Boa tarde senhores passageiros, aqui é o Comandante Otacílio e quero me desculpar em nome da SkyWay, a Linha aérea da nossa terra, pelo nosso atraso em solo. Para ganhar tempo vamos aumentar nossa velocidade em vôo em 20%. Desta forma chegaremos em nosso destino no horário marcado...

Após relaxar na poltrona, você pensa que aquela tonelada de aço só cai no vôo dos outros. Então a aeromoça surge em sua frente com aquele olhar de pingüim de geladeira.

(Aeromoça)

- Boa tarde passageiro, seja bem vindo ao vôo 472, da SkyWay, a Linha aérea da nossa terra.

(Você)

- Boa tarde...

Ela sorri impassível e continua seu speech como se nada tivesse ouvido.

(Aeromoça)

- Conforme a lei 20.540, de 17 de dezembro de 2013, pela alteração na velocidade as companhias aéreas podem cobrar a diferença das passagens in loco.

A Aeromoça começa a digitar num pequeno Palm Top.

(Aeromoça)

- O seu bilhete, assento 3B, é de categoria executiva plus e pelos meus cálculos... Temos uma diferença de 47 Reais e 22 centavos... Correspondente a 20% no aumento da velocidade da aeronave...

(Você)

- ... Como?

A Aeromoça abre um sorriso de “nossa, outro burro” e o atira em sua direção.

(Aeromoça)

- Conforme a lei 20.540, de 17 de dezembro de 2012...

(Você)

- Que porra de lei é essa?

(Aeromoça)

- É a a lei 20.540, de 17 de dezembro de 2012, que pela alteração na velocidade as companhias aéreas podem cobrar a diferença...

- Que louco...

- Não! In loco. Quer dizer, no local.

Outro olhar de “Burro” lançado em sua direção. Você fica puto.

(Você)

- Sim minha filha, eu entendi, eu sei o que é “in loco”. Só acho uma absurdo! E meus direitos?!

(Aeromoça)

- Ah, o senhor tem o direito de pagar em cartão, crédito ou débito, ou em cash.

(Você)

- Quer dizer que vocês atrasam e eu que pago o pato.

(Aeromoça)

- Não senhor. Patos não são aceitos.

Você olha para Aeromoça descrente que ela tenha feito uma piada. Saca seu cartão e paga prontamente. A moça se afasta e você volta a pensar na vida. Minutos depois o comandante volta à carga.

(Comandante)

- Boa tarde senhores passageiros, mais uma vez quem fala é o Comandante Otacílio da SkyWay, a Linha aérea da nossa terra. Devido aos ventos sul sudeste de latitude 32º com 79 graus de inclinação, informamos que nossa aceleração descerá em 12%, mesmo assim chegaremos em nosso horário normal.

Qual aparição a Aeromoça está a sua frente mais uma vez.

(Aeromoça)

- Boa tarde passageiro, seja bem vindo ao vôo 472, da SkyWay, a Linha aérea da nossa terra.

(Você)

- O que foi agora?

(Aeromoça)

- Conforme a lei 20.540, de 17 de dezembro de 2013, pela alteração na velocidade da nossa aeronave...

(Você)

- Ah minha filha, não me diga que vou ter que pagar mais alguma coisa?

(Aeromoça)

- Não, olha que coisa boa... Temos que restituir o valor pago ao senhor.

(Você)

- Ah agora sim... Finalmente algo que funciona neste país!

(Aeromoça)

- E o senhor ainda pode escolher o sabor!

A Aeromoça estende em sua direção uma caixa repleta de barrinha de cereal.

(Você)

- O que é isso?

(Aeromoça)

- Barrinhas de Cereal, saborosas e nutritivas! Temos chocolate com coco, amêndoas...

(Você)

- Que são barrinhas eu to vendo, mas o que significa isso?

(Aeromoça)

- Conforme a lei 20.540, de 17 de dezembro de 2013, o seu troco pode ser dado em produtos da empresa... Ou seja, barrinhas. Prosseguindo, temos maça com mel, crocante...

(Você)

- Eu não posso ficar preso a isso!

(Aeromoça)

- Ah, as barrinhas tem muita fibras, preso o senhor não vai ficar!

(Você)

- Isso é um absurdo... Vou ao Procon! A ANAC! A policia Federal! Não sou banana!

(Aeromoça)

- Perfeito... Pelos meus cálculos o senhor tem direito a 4 barrinhas. Aqui estão... De banana, não é?

Você fica sem ação segurando as barrinhas tal qual um garoto com as mãos queimando pela vela durante sua primeira comunhão. A Aeromoça segue para outra poltrona distribuindo as barrinhas. Você fecha os olhos como se buscasse refúgio do ódio imenso dentro de seus pensamentos. Esta quase relaxado quando o comandante volta.

(Comandante)

- Boa tarde senhores passageiros, mais uma vez quem fala é o Comandante Otacílio da SkyWay, a Linha aérea da nossa terra. Perdemos a força dos ventos sul sudeste de latitude 32º com 79 graus de inclinação. Ao mesmo tempo, uma inversão térmica faz com que nossa aeronave tenha que elevar sua velocidade em quase 15%. Mas chegaremos pontualmente ao nosso destino.

Você abre os olhos e quem está a sua frente sorrindo enquanto digita no palm top?

(Aeromoça)

- Conforme a lei 20.540, de 17 de dezembro de 2013, pela alteração na velocidade as companhias aéreas podem cobrar a diferença das passagens in loco. São 27 Reais...

Sua vingança está ali, doce, pronta em suas mãos. Você dá um sorriso maléfico e estende as barrinhas na direção da Aeromoça replicante. Ela devolve o sorriso no mesmo nível.

(Aeromoça)

- Infelizmente senhor não aceitamos barrinhas, apenas dinheiro ou cartão. São mais 27 reais, o senhor vai pagar como?

O Avião não chega a seu destino.

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