Me acertou em cheiro


Cheiro que gruda na cabeça e faz as narinas levitar...
Cheiro gostoso que balança a cabeça e faz o sono voar...
Cheiro perfeito que ocupa meu leito e não deixa o olho fechar...
Cheiro bom que dorme comigo em outro lugar...
Cheiro que abriga, que da vontade de morar
Cheiro simples e sofisticado, que no meu corpo quer ficar
Cheiro que não é odor, é cheiro mesmo, feito pra cheirar
Cheiro que me acorda tenso e não deixa respirar
Cheiro que te quero denso em todo meu ar
Cheiro que me acerta em cheio no meu paladar.


Quero voltar a cheirar...



Foto by Marton Olympio - Cheiro do Cerrado
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Mãe e Filha



O cartório cheio.
A palavra “próximo” ecoava pelas paredes tingindo-as de espera.
Ela abriu a pequena pasta rosa e conferiu os documentos murmurando cada um de seus nomes. Repetia o mantra burocrático como quem reza uma novena, sofrendo, com fé que nada faltaria ali.
Ela já tinha ido e voltado alguma vezes. Quase dois meses nesta coisa. E sempre faltava algo. Não por esquecimento dela, nunca. Tinha certeza que os caras ali do cartório se revezavam no deboche.
É a falta que faz um homem a frente das coisas. Não tem jeito. O mundo é dos homens. E estas coisas é homem que resolve.
Os que ela teve na vida? Juntando todos, não daria um.
O telefone tocou, ela olhou o visor e desligou.
 Quando mais nova eles faziam fila. Ligavam, mandavam flores, jantar, teve o que mandou jóias... Ela sabe o que queriam. E não dava.
Quando deu, bem mais tarde, engravidou, casou, teve a filha e separou.
Tudo isso durou quase dezessete anos. Mas pra ela eram apenas aquelas etapas. Nada a acrescentar. Ah, sim, o apartamento em Botafogo que virou um na Tijuca e outro em sabe-se lá onde aquele infeliz foi morar com aquelazinha mais nova no interior de Goiás. Desejou um câncer para eles.
A fila não andava e o telefone dela tocou outra vez. Ela tornou a desligar.
Por culpa dele nunca se formou, nem teve como estudar.
Ele a queria em casa. Sua mãe joga isso na sua cara até hoje. Mostra as amigas que são doutoras, professoras ou que tem comércio.
Elas deram sorte foi com o marido, isso sim.
Teve que voltar a morar com a mãe em Copacabana e alugou o apartamento da Tijuca. Não agüentava as despesas do condomínio. E com a morte do pai sobrava espaço naquele apartamento.
Ficou sabendo que o ex teve mais dois filhos, hoje formados, bem de vida. Outro dia sua filha mostrou as fotos deles na internet.
Havia achado o pai numa destas redes sociais. O pai mandava uma mesada murcha e dizia que não queria ver a filha pois lembrava muito a mãe.
A filha maldizia o pai. Mas vira e mexe o catava ali no computador.
Não gosta de internet.
Navegou um pouco, procurou um namorado mas tudo que encontrou foi um monte de tarado querendo mostrar seus pintos nas câmeras. Homem é tudo igual.
Ajeitou seus cabelos vermelhos olhando o espelho no cartório. Um pouco acima do peso, mas se achava linda. Mas era bonita pra ela.
Tinha mais de oito anos sem homem e nem sentia falta. Tinha paqueras sim, dois senhores às vezes a levavam ao cinema. Um não sabia do outro e ela se divertia com isso. Um uma vez quase desmaiou ao tocar seus seios.
Mais uma vez o telefone tocou e a trouxe de volta a fila. Encarou o visor como se não visse nada. A música vulgar do celular, aquele toque mais comum, repetia, repetia, repet...
- Alô mãe...
Ouviu por um minuto e mudou de expressão.
- Não, já decidimos... Eu sei mamãe... Não... Aquilo não nos serve de nada... Já falamos disso... To no cartório... Aqui o sinal falha.
Ouviu. Balançava a cabeça negativamente cada vez mais forte.
- A senhora me deu a procuração por isso. Já decidimos... Não, eu não decidi. Nós decidimos. Sei que era de papai... Mas nem vamos mais lá. Não chora mãe! Que merda! A senhora sempre faz isso... Depois a gente se fala!
Desligou. Prendeu a respiração e sentiu que o choro viria. Ele veio como pequenos soluços e lágrimas espaças. Ela se encolheu e ninguém na fila pareceu se importar.
Repetia baixinho pra ela mesmo.
- Putaquepariu... Putaquepariu... Putaquepariu...
 A fila não andava. Começou a digitar em seu telefone. Ouviu. Nada. Repetiu. Ouviu. Nada. Mais uma vez... E outra... E outra...
Em outro ponto da cidade sua filha olhava o visor do celular e desligava todas às vezes que tocava. 
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Sobre a última Estação




No outono os velhos caem das árvores
Desistem da vida
Com o cansaço
Que nos é peculiar
Na primavera os novos plantam flores
E destroem jardins
Com a coerência
Que nos é peculiar
No inverno os velhos choram e congelam
Viram groselha
Com a alegria
Que nos é peculiar
No Verão os novos derretem ao sol
Viram só vitamina
Com procrastinação
Que nos é peculiar









#Foto: O Anjo do São João Batista
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Teu Esmalte



Queria morar em teu beijo
Mesmo sendo grande
A chance de despejo
Queria viver no teu sorriso
Pois ali tem de um tudo
Daquilo que preciso
Morar na casa entre seus dentes
Ter sua saliva como parente
Das suas aftas serei vizinho
Nascer como tártaro de mansinho
Na sua saliva molhar a mão
Fazer de sua língua meu colchão
Ser o bafo que te envergonha
Descer na baba da tua fronha
Ser a cárie que te deixa louca
E contar as estrelas do céu da tua... boca
Queria rolar no seu batom
Esse vermelho sem vergonha
Rubro tudo de bom
Queria viver na tua risada
No esmalte dos teus dentes
Não me falta nada...


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Arrumação (Em Cadeados)



Abri a gaveta na sua cabeça

Deparei aquele pôr-do-sol

Rasgando um horizonte

feito de pétalas de girassol

Na bagunça da sua gaveta

Arrumei o lugar pra mim

Longe demais dos seus pensamentos

Mas fui ficando mesmo assim


Na cabeça da sua gaveta

Vi meu reflexo em teu espelho

Refletido carinho, sexo, gana

Reflexos de você em pêlo

Da bagunças da sua cabeça

Veio um lindo vestido vermelho

Vestiu a menina, a mãe, a amante

na medida de todos a meus desejos

Fechei a gaveta da sua cabeça

Na escuridão, num lugar só meu

De promessas, juras e lembranças

Esquecidos lá dentro você e eu...


Encadeados você, os cadeados eu, em cadeados nós.





Foto: Das Gavetas.

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