segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Até Que a Morte nos Separe.

Publicada originariamente em 20 de Fevereiro de 2009


E ele beijou-a nos lábios. Primeiro suavemente, depois cheio de volúpia, gana, vontade mesmo. Ela ali, completamente entregue.
Aquilo era um sorriso? Sim, ele tinha certeza que era um sorriso.
Tinha pouco tempo mas não tinha pressa nenhuma. Queria namorar um pouco, sentir os cheiros daqueles cabelos sedosos que pareciam vindos diretos de uma propaganda de shampoo até suas mãos. Podia sentir a textura de cada fio, mesmo usando aquelas grossas luvas. Cabelo grande, liso, macio...
Se soubesse do encontro, teria tomado um banho, usado aquela colônia nova que comprou na revistinha da colega de faxina. Poria uma camisa mais da moda, sapatos. Sapatos sempre impressionam as mulheres, sei lá. Ela merecia.
Mas quase sempre estes encontros aconteciam assim, sem se esperar. Tudo em cima da hora.
Ele ainda com sua roupa de trabalho, aquele macacão horrendo, aquelas luvas amarelas pesadas, enquanto apenas um lençol cobria o corpo dela. Foi desembrulhando cuidadosamente, com os olhos gordos de criança que ganha um presente maior que esperava.
Sabia que se as coisas fossem diferentes poderia até ser correspondido como queria.
Talvez algumas pessoas estranhassem a diferença de idade, ele já carregava mais de trinta e cinco anos de frustrações, broncas e cabeça baixa. Até por isso, quem lhe conhecia ficava surpreso ao entender que ele não tinha os cinqüenta e poucos que usava em sua vida todos os dias.
Já ela não. Tinha o frescor e o olhar distante, daqueles que com vinte e poucos anos acham que o mundo é um umbigo. Bonita, aspecto saudável, rosto lindo e bem desenhado.
Não. Ele olhava para ela e via claramente que agora que os anos nunca seriam empecilho para os dois. Não daquele jeito. Não naquela madrugada. Nunca mais.
Se a realidade fosse outra e o acaso ajudasse, ele sabia que poderia conquistá-la realmente.
E a levaria ao cinema, ao parque, ao zoológico. Não. Zoológico fede. Ele já havia trabalhado em um e todo mundo suja tudo, cheiro de cocô de bicho para tudo quanto é canto. Não. Ela merecia mais.
Um restaurante bacana, um rodízio de pizza de vários sabores, quem sabe?
Tinha um ótimo na perto da casa dele. Ele pagaria.
Mas dava pra ver de cara que ela, com aquele ar de Patricinha, não era muito chegada a subúrbios. Tampouco era chegada a massas. A barriguinha durinha e bem dividida, dava sinais claros de muito tempo de malhação e cuidados.
O dinheiro traz isso.
A pele macia, de uma branquice imensa, guardava lá longe uma marquinha de biquíni de uma praia que com certeza ele não freqüentaria. No máximo para limpar. Rico suja tudo e nem liga para o filho da puta que está ali limpando. Só falta jogar lixo na gente.
Voltou a ela.
Os seios duros, rijos, de bicos rosas, apontavam para cima com a certeza da juventude. Ele passou a mão sobre eles e sentiu claramente que ficavam duros. Tinha certeza absoluta. Ali era tudo dele.
“São em momentos como estes que somos todos iguais, não é mesmo?” Diria o seu amigo vigia. “Ou cagando, ou morrendo, ou trepando... Todo mundo é igual.”
Disse o vigia certa vez enquanto jantavam suas quentinhas no salão maior.
O amigo tinha sorte de ser casado. Sempre trazia uma comida legal, uma carne assada, um frango ensopado, batata-frita. Ele adorava batata-frita. Na latinha dele sempre macarrão. Era o que ele sabia fazer, o que comia e o que sofria para colocar pra fora horas depois. Por que ele não podia ter batata frita na sua marmita? Ela não tem cara de quem vai pra cozinha!
Beijou a de novo agora com raiva, posse e para provar que podia tudo, mordeu seu lábio.
- Poxa! Desculpe! machucou?
Ela nada disse. Ficou ali imóvel fitando o teto distante dele.
Aquilo o deixava doido. O sangue subiu a cabeça e ele pulou as preliminares. Tirou o macacão, cueca e ficou nu sobre ela. Vestia apenas as luvas, sua mania.
- Olha como você me deixa... – Adorava a sensação de tocar em si mesmo com aquela aspereza nas mãos.
A penetrou com força e sentiu o corpo sobre ele tremer com sua vontade. Começou a ir e vir e sentiu que ela balançava de um lado para o outro como se não tivesse vontade própria.
Aquilo o deixava doido. Não resistiu e lascou-lhe um tapa na cara. Ela não reagiu. Outro. Mais outro e sentiu o alivio vir da sua cabeça e sair pelas suas partes. Havia acabado. Com ele aquilo era sempre rápido. As namoradas reclamavam, a ex-esposa também. Por isso apanhavam, depois diziam que não entendiam o porquê. Lembrou de todas as outras e saiu de cima dela ainda com raiva.
- Vocês são tudo iguais... Ta pensando que é melhor que eu? – Enquanto colocava sua roupa, desfilou uma série de palavrões dos mais variados, com tal raiva que os perdigotos saiam como chuva. Nada parecia ofendê-la.
Aquilo o deixava doido, vontade de pegar a sua vassoura e...
- Que porra é essa Elias?! – O vigia entrou e sua postura voltou a de sempre. Cabisbaixo, sem encarar, pacato. Agarrou a vassoura que já segurava e colocou a sua frente como se pudesse se esconder por de trás dela.
- Nada não, nada demais... – Disse ele ainda arrumando a roupa.
- Você tava gritando feito louco... Já terminou?!
Ele balançou a cabeça afirmativamente. O vigia se aproximou dela examinando seu rosto. Ele cruzou o braço sobre o peito e enterrou a cabeça no próprio tronco, procurando no chão com o olhar um espaço entre seus próprios pés. O vigia arregalou os olhos.
- Caralho! Tu bateu nela?!
- Esbarrei... A pele tá sensível, eu acho... Vão pensar que foi do acidente...
- Já te pedi pra não bater nas peças... Se tu não se controlar isso ainda vai dar merda. Cadê meu dinheiro? – Fez um sinal de grana com os dedos e esticou a mão espalmada na direção dele. Ele tirou umas notas amassadas do bolso e entregou ao vigia.
- Me ajuda a arrumar o lençol... O legista chega as duas e a peça tem que estar arrumadinha!
Ele olhou o grande relógio da parede. Faltavam 15 minutos. Fizeram as coisas sem pressa. Cobriram o corpo, empurraram a maca até próximo as gavetas da geladeira e removeram-na para dentro de uma delas cuidadosamente. Ele fechou a gaveta lentamente como se despedisse. O vigia notou então que ele chorava contido.
Um choro cheio de soluços, catarro, dor, falando palavras baixinho pra ele mesmo como numa reza contrita. Vez por outra limpava o nariz com a blusa.
Toda vez ele tinha que consolá-lo.
- Relaxa cara. Em breve a gente vai ter carne nova no pedaço... – Falou enquanto dava-lhe tapinhas nas costas.
Aquilo sempre o confortava. No final, sempre tem.


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3 comentários:

Diego? Glommer? disse...

Surpreendente. É o que posso dizer. rs.

19 de outubro de 2010 às 02:49
SABRINA disse...

De onde você tira tanta criatividade...bastante inusitado e também ousado o texto.
Beijo grande!

29 de janeiro de 2011 às 10:06
Monique Canela disse...

Surpreendente. É o desejo carnal...

8 de fevereiro de 2011 às 13:30

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